Rio de Janeiro, Brasil

GABINETE DE

de curiosidades

Nazaré Soares

Reserva Técnica, 21/05/2022

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Nazaré Soares. Desperta, 2021. 1,80 x 60 cm.

 

Desperta!

O escritor francês Victor Hugo disse que “A esperança seria a maior das forças humanas, se não existisse o desespero“. A frase é exemplar para ilustrar parte do trabalho da artista Nazaré Soares, que além de sua carreira individual, integra duplamente os coletivos Levante Nacional Trova e Artistas Latinas. Artista visual, professora, mãe de artista e com história pessoal pontuada pela trágica perda de uma filha por feminicídio, Nazaré Soares transforma a palavra desespero em um Despertar.

O substantivo masculino desespero, entre outras acepções, significa o “estado de consciência que julga uma situação sem saída; desesperança”. É impossível imaginar o calvário de Nazaré, bem como o de muitas mães, irmãos, pais e familiares das vítimas de um problema gravíssimo e permanente em nosso país: Nazaré Soares recusa o desespero desta camisa de força e parte para a sua liberdade na forma de arte.

Nazaré vem criando uma série de esculturas e instalações em que o filó, na forma de mosquiteiros ou como mantos que flutuam sobre as coisas, é costurado com dezenas de bonecas africanas Abayomi: em Yourubá, Abayomi significa “encontro precioso” ou “aquela que traz felicidade”. Dentre essas obras, está “Desperta”, que agora integra a Coleção Calmon-Stock.

Reza a lenda que as Abayomi foram criadas por mães africanas durante as viagens dos navios negreiros entre Nigéria, Benin, Togo e Costa do Marfim até o Brasil. Elas rasgavam suas roupas para criar as bonecas apenas com tranças e nós, cujo intuito era o de mitigar o sofrimento das crianças durante o terrível trajeto – as bonecas funcionavam também como uma espécie de amuleto para proteção.

O simbolismo das Abayomi, costuradas nesse tecido tão delicado e macio traz um mundo de doçura e proteção – e o fato das obras da série permitirem interação direta com o espectador ajunta uma sensibilidade corpórea aos adjetivos. Mais: os pequenos espelhos incrustrados no interior da obra Desperta também nos devolvem uma sensação de esperança, para além do acolhimento, do cuidado… É possível arriscar dizer que, em seus trabalhos, Nazaré Soares desdobra algumas questões que permeavam os interesses de Lygia Clark, como a maleabilidade, o nutrir-se, a matéria mole, os não-objetos, e até – por que não? – a criação de uma espécie de pós-Baba antropofágica: no sentido de que, ao invés da dureza, da dor, e da destruição das malhas proposta por Lygia, naquelas de Nazaré Soares as tripas já foram externadas. O corpo, um deserto sem entranhas, é recebido na esperança de um despertar.

NAZARÉ SOARES.

@nazaresoares_artista
Artistas filtro – Radio – PT