COLEÇÃO

Colecionar

“Nós somos cobertos de cascas e representações que construímos de nós mesmos. E normalmente tentamos nos fazer representar por coisas que não são a nossa essência. Por isso, é importante buscar o strip-tease das coisas para ir além daquilo que está representado. E confrontar o nu de nós mesmos com o nu do mundo.”   

Tunga

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Um breve comentário

Colecionar arte é especial também por que o processo de qualificação (e precificação) de uma obra é extremamente complexo (muito diferente de quando se trata de moedas, carros ou selos). Rilke, em sua “Carta ao jovem poeta”, fala de algo que poderia aconselhar também jovens colecionadores: “menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.” Para Rilke “uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está o seu critério, — o único existente. Assim, uma das tarefas do colecionador é pensar junto com o artista sobre as obras, na tentativa de encontrar uma justificativa de sua necessidade. É o exercício do que Valéry diz quando afirma que “o que chamamos de “Obra de arte” é o resultado de uma ação cujo objetivo finito é provocar em alguém desenvolvimentos infinitos.” Aí está também uma bela definição que pode servir ao percurso de um colecionador: os objetos de arte se desdobram infinitamente. 

A respeito desse desdobrar podemos afirmar que nosso maior prazer foi perceber, com o tempo, que as coleções particulares são um elemento essencial de complementação dos espaços públicos e institucionais e um complemento fundamental para o acesso à arte. Isto se dá na medida em que o colecionador, ainda que tenha uma ótica individual sobre suas escolhas e que tenha curadores para ajudá-lo, sempre estará em suas aquisições em meio a um diálogo constante e sujeito a variáveis de gosto de um grande grupo que abarca galeristas, artistas, museólogos, curadores, diretores de instituições, etc. Muitas vezes a força de uma coleção empresta ao próprio colecionador uma voz a ser escutada pelo mundo da arte. O privilégio que têm os colecionadores de conviver com as obras em suas casas traz a contrapartida do compromisso com as instituições de arte, com os empréstimos, doações, apoio aos artistas e seus projetos e apoio a criação de espaços próprios de exposição para os jovens. Compartilhar a coleção com países do Continente Africano ou da América Latina é um sonho nosso .

Não há uma razão para ser colecionador, há muitas! Assim como não há um perfil único de colecionadores. Nossas preocupações existenciais, o lugar onde nascemos e vivemos, o percurso pessoal que teve que ser feito até o usufruir da alta cultura, tudo isso está implicado no colecionismo. A arte é um problema, um enigma que se coloca diante de nós. O elitismo do colecionar é sublimado pelo profundo processo pessoal (sem intermediários) de reflexão e aprendizado necessários. Não há quem ensine arte: ela por sua natureza é enigmática – o aprendizado se dá como abordagem metafórica e técnica, mas não leva ninguém ao seu âmago. Por isso nunca estamos satisfeitos! Ou como disse Braque, “A ciência tranquiliza. A arte é feita para perturbar.” 

Roberto Calmon e André Stock

Artistas filtro – Radio – PT