COLEÇÃO

GABINETE DE

de curiosidades

Allan Weber

Reserva Técnica, 11/03/2022

Internacional.

Allan Weber.

“Nada de tão diferente para nós”, instalação, blindex da galeria atingido por fuzil 762, 120 x 40 cm, 2021.

“Régua, escultura”, 30x30cm, 2021.

Existe uma tradição de excelência nas artes plásticas e na arquitetura brasileiras que projeta artistas e arquitetos de nosso país no cenário internacional: Ligia Clark, Oscar Niemeyer, Ernesto Neto, Lucio Costa, Helio Oiticica, Lina Bo Bardi, Adriana Varejão,Paulo Mendes da Rocha, Letícia Parente, Isay Weinfeld, Beatriz Milhazes e Eduardo Kac são alguns dos nomes cuja contribuição nestas disciplinas é enorme. É a propósito desta questão que gostaríamos de fazer breve comentário sobre o trabalho do jovem artista ALLAN WEBER: sua trajetória dialoga de maneira profunda com ambos universos, o da arte e da arquitetura contemporâneas.

O urbanista e filósofo francês Paul Virilio (1932/2018), em seu livro “O Espaço Crítico”, aponta que uma das características do mundo contemporâneo é o fato de que hoje as pessoas são muito menos residentes ou habitantes de uma cidade do que interlocutores de um processo cibernético. Isso por que, segundo o filósofo, desde os séculos XX e XXI “a via de acesso à cidade deixou de ser uma porta ou um arco do triunfo para transformar-se em um sistema de audiência eletrônico”. Para Virilio “a representação da cidade contemporânea não é mais determinada pelo cerimonial de abertura das portas, o ritual das procissões, desfiles, a sucessão de ruas e avenidas: a arquitetura urbana deve, a partir de agora, relacionar-se com a abertura de um espaço-tempo tecnológico” (tempo aqui marcado pelo advento da hegemonia dos dispositivos de interface eletrônica tais como celulares, câmeras de vigilância, redes sociais, aplicativos etc.). Deste modo, os residentes das megalópoles passam a ter uma relação muito mais passiva, de voyeurs, com a urbe, do que propriamente aquela citadina da participação e integração. O trabalho de ALLAN WEBER subverte a constatação de Virilio.

O artista cria acontecimentos-em-forma-de-obras que, além de interferir com a arquitetura e a arte do Rio de Janeiro, neutralizam a crescente “opacidade” de seus habitantes-interlocutores, colocando-os novamente FACE-À-FACE com a cidade. Isso não é pouca coisa. Não é privilégio do Rio de Janeiro o “devir aglomeração”, mas sim destino das grandes cidades importantes do planeta: os gestos de ALLAN WEBER ganham uma dimensão enorme como exemplaridade da “volta” dos habitantes à cidade. Suas obras misturam elementos que sempre colocam a cidade em questão. A obra “Nada de tão diferente para nós“, recente aquisição da COLEÇÃO CALMON-STOCK, é exemplo. Trata-se de uma escultura/instalação formada por centenas de cacos de vidro que se estende pelo chão: os fragmentos pertenciam a uma porta de blindex da galeria 5 Bocas atingida por uma bala 762 durante intenso tiroteio em Brás de Pina, onde está a galeria. Segundo Alan, o tiro partiu provavelmente de um fuzil do mesmo calibre.

A transformação deste acontecimento sem precedentes em obra de arte dá o que pensar. O blindex, elemento arquitetônico do cubo branco, como pedaço do “corpo” fuzilado da galeria, o que é? É ainda a galeria? Ou galeria transformada em mausoléu da arte? É performance ou escultura? Outros trabalhos de ALLAN WEBER caminham pela mesma trilha, como a grande lona de baile funk estendida na piscina do majestoso Parque Lage: o átrio de Gabriella Besanzoni Lage ainda é palácio? Ou é parte favela? A Galeria 5 Bocas, obra em movimento segundo o próprio Allan Weber, é arquitetura (cubo branco) ou performance artística? O que dizer da série “Existe uma vida inteira que tu não conhece” (sic), momento histórico da pandemia registrado em 2020 pela máquina fotográfica de ALLAN nas ruas de um Rio de Janeiro tornado fantasma? Outra aquisição da COLEÇÃO CALMON-STOCK é o trabalho “Régua”, um conjunto escultórico de giletes que faz alusão aos jovens que “cortam o cabelo na régua”, isto é, na gilete – por essa razão são identificados como subcultura (especialmente por policiais). Segundo ALLAN WEBER, a ideia que lhe interessa é a de “corte”.

ALLAN WEBER

@allanweber_

GALERIA 5 BOCAS

@galeria5bocas

PARQUE LAGE

@parquelage
Artistas filtro – Radio – PT