Rio de Janeiro, Brasil

GABINETE DE

de curiosidades

Ventura Profana

Reserva Técnica, 20/01/2022.

Bem aventurado aquele que vê, e os que ouvem as palavras desta profeta, e guardam as coisas que por ela são ditas e expostas; porque o tempo está próximo. (Apocalipse, 1).
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VENTURA PROFANA, 2020.

Sem título, Digital Collage, 90 x 140 cm.

Em sua mostra individual em Oslo na segunda metade de 2021, a artista brasileira Ventura Profana, recente vencedora do Prêmio Pipa, expôs esta obra que dialoga de maneira desafiadora com a representação papal na história da arte. Desde o pontífice decrépito de Tiziano, até a releitura assustadora de Velásquez por Francis Bacon, passando pela impressionante escultura de Maurizio Catelan de João Paulo II atingido por um meteoro e, finalmente, lembrando o papa “à la Baselitz” de Glenn Brown em “Nausea” (atualmente na Tate Liverpool), VENTURA PROFANA – em sua colagem – reescreve a história da crítica a um símbolo milenar.

No simples e original gesto de dispor de costas para o público uma figura centenariamente hierática e frontal, a artista desloca sentidos e elabora metáforas. Quem é essa figura? Será uma representação contemporânea do estranho binômio Ratzinger/Francisco? Se não, quem será? Qual dos sucessores, desde a troca do traje púrpura pelo branco no século 16, representa esse homem (de) branco? A que discursos e ações remete? Não importa: Ventura Profana nos devolve o pastor da humanidade, o agitador de multidões e figura política de um eterno devir messiânico como solitária e diminuta testemunha ocular de um passado colossal (colonial?).

Na tradição crítica de Tiziano, Bacon, Catelan e Brown, Ventura Profana nos apresenta o papa num acerto de contas inexorável com a História. É o que muitas estão esperando, já o demonstrou no final do ano a editora-chefe da revista alemã EMMA, Alice Schwarzer, que nomeou o Papa o “Homem mais Sexista de 2021”. Ventura foi profética.O curador Felipe Pena, organizador da mostra no espaço Tenthaus – que junto com Ana Elisa Cohen está a frente da Galeria Cavalo em Botafogo – nomeou em seu texto crítico a artista como “missionária”. Pena escreveu que ela lhe deu “fé em uma terra em que quero que minhas filhas se sintam em casa, através de algo que espero ver mais na religião: aceitação e coragem para mudar o mundo. Com muito ódio, mas também muito amor“. O crítico norueguês Andreas Breivik, em seu texto sobre a expo na Nordic Art Review, fez aproximações valiosas da obra de Ventura com os escritos de Donna Haraway e Paul Preciado: mas também fiou intrincadas observações sobre a mostra. A nós, como a Felipe e a Andreas, também ocorreram as mais desconcertantes ideias e elaboradas interpretações; passamos horas discutindo os motivos e as sínteses poderosas da artista – que inspiram esperança num Brasil tornado purgatório.

Frente a um trabalho no mínimo excepcional, fechamos com Felipe e recorremos, “com muito ódio, mas também com muito amor”, a uma citação bíblica do Apóstolo João, o mesmo do Apocalipse, que poderia ilustrar a artista:

“Aquele que aborrece a seu irmão está em trevas, e anda em trevas, e não sabe para onde deve ir; porque as trevas lhe cegaram os olhos”(2;11).

A parada é a seguinte: Ventura Profana tem olhos de fogo, muito abertos.

Ventura Profana

@venturaprofan

Galeria Cavalo, Rio de Janeiro

@galeriacavalo

Tenthaus, Oslo

@tenthausoslo
Artistas filtro – Radio – PT