Rio de Janeiro, Brasil

GABINETE DE

de curiosidades

Rafael Adorján

Reserva Técnica, 26/01/2022

Rafael Adorján, o Natal, Tia Maristela e Walter Benjamin.

Rafael Adorján, 2021.

O Natal da minha Tia, Fotografia, Díptico, 13 x18cm (cada) .

Colecionadores amam as obras de arte. Muitas vezes esse amor se estende ao conjunto da obra de um artista. Pela maneira como transita pelo mundo, como o interpreta, suas obras, seu ateliê, etc. É o caso do artista RAFAEL ADORJÁN com a COLEÇÃO CALMON-STOCK. Impressiona a maneira delicada com que o artista trata temas caros ao seu universo, traduzidos em um trabalho proustiano, na riqueza dos detalhes evocados e na memória involuntária tratada como percepção/fotografia. Todo o conjunto das fotografias de ADORJÁN é caracterizado com uma qualidade de “madeleine” – paradoxalmente, também com uma nonchalance pelo tempo perdido. Assim é nas séries Religare, Hi-fi – que está na COLEÇÃO DO MAM -, Desdidática e mais recentemente no projeto O Natal da minha Tia, foto-livro que tivemos a honra de acompanhar e apoiar, lançado em dezembro último no Rio de Janeiro e em São Paulo, simultaneamente.

No foto-livro, RAFAEL ADORJÁN reúne um documento a um tempo carinhoso e sibilino da festa de sua família em dezembro de 2020, em plena pandemia. A anfitriã é Tia Maristela, que reúne a família Tindó-Adorjan em um evento milimetricamente programado. No seu texto crítico, o curador Raphael Fonseca diz que “as fotografias aqui reunidas, a edição e o projeto gráfico desta publicação compõem um álbum incompleto”, convidando-nos a imaginar os meandros do natal dos Adorján, mas também dos nossos próprios natais, quando celebramos com nossas famílias o nascimento de Cristo e a chegada do Papai-Noel.

Da série, escolhemos dois momentos de um Jesus ‘embrulhado para o natal’: aquele em que o Messias aparece como figura no bolo do natal (certamente um detalhe planejado com esmero por Maristela), e o momento posterior, quando o Profeta aparece “canibalizado”, ao final da festa religiosa. Com seu afiado olho fotográfico, ADORJÁN expõe suas lembranças como didática contemporânea do atual momento brasileiro. Com tudo incluído: pandemia, mazelas, alegrias, esperanças, etc.

A série do artista também nos trás à memória o artigo “Prenome de Benjamin”, de Jacques Derrida, em que o mestre da desconstrução comenta os desdobramentos de “Por uma crítica da Violência”, texto profético de Walter Benjamin do pós-guerra (1921). Das considerações derridianas sobre o emblemático texto, a mais relevante é a de que Benjamin considera a EDUCAÇÃO uma “violência divina”. Para Benjamin, a EDUCAÇÃO escapa do que chama de circunscrição estrita da tarefa de uma crítica da violência: aquela da seara terrena da justiça e do direito. Com efeito, para Benjamin, a EDUCAÇÃO, a instrução – a linguagem, enfim – é uma violência divina à maneira do destino: “exterminadora”, “não-sangrenta”, “expiadora de culpa”, pois ao ser capaz de fornecer uma interrupção das normas habituais de leitura dos fenômenos, abre um caminho para o novo, para o revolucionário – para o bem e para o mal, diga-se de passagem. O mal, que talvez Benjamin tenha previsto com tanta antecedência, seria o pressentimento prematuro de uma atmosfera então propícia à “educação” nacional-socialista. Quem viveu o bolsonarismo, o olavismo, o lavajatismo e todo o ambiente da extrema-direita brasileira nos últimos 7, 8 anos sabe do que estamos falando.

A citação rápida a Benjamin (rogamos ao leitor a tarefa de enfrentar o texto de 1921) e talvez incompleta, tem o objetivo de sublinhar que a arte também exerce um papel EDUCADOR. Nesse sentido, consideramos que RAFAEL ADORJÁN cria, no conjunto de suas fotografias – entre outras qualidades – uma linguagem com as propriedades divinas a que Benjamin se refere, no seu papel revolucionário, transformador.

O foto-livro “O Natal da Minha Tia” está à venda no site do artista.

Rafael Adorján

@radorjan
Artistas filtro – Radio – PT